Os chãos pacatos da praia da Redinha e a urbe caótica do Rio de Janeiro estiveram frente a frente na noite de segundo dia do Festival Literário de Natal. Vicente Serejo e João Paulo Cuenca, cronistas de diferentes gerações e escritores de diferentes recortes urbanos dissertaram sobre “A invenção do cotidiano”. Serejo, iniciado em um tempo onde a crônica sequer era considerado gênero literário. Cuenca, desses tempos onde a crônica tem cedido espaço às colunas sociais.
Serejo iniciou o bate-papo e historiografou o caminho percorrido pela crônica ao longo da tradição literária brasileira. Desde o drible à pressão ideológica durante o movimento artístico dos anos 20 até a explosão popular e consolidação enquanto gênero, décadas depois, com baluartes, a exemplo de Rubem Braga, de quem Serejo lembrou uma frase análoga para definir a crônica: “O cronista sobrevive dos restos do banquete dos romances”.
Cuenca se disse leitor de crônicas desde os 6 anos de idade. “E desde cedo eu já sabia que seria um cronista brasileiro. E hoje o gênero tem perdido espaço. Muitas acontecências do Rio de Janeiro não são mais cronicadas. Sobre a Revolta da Vacina, na década de 20, há uma série de crônicas. Mas hoje os fatos passam despercebidos pelo gênero”, lamentou o carioca.
Mais que um papo dinâmico, a mesa funcionou como exercício de definições do que é a crônica, sob diversos ângulos, exemplos, comparações e também leituras. O carioca confessou ter desenvolvido uma voz de cronista, um olhar constante aos recortes urbanos de seu lugar. “Mas como romancista, gosto de construir novos truques, novas mágicas”, pondera.
Para Serejo, o cronista costuma jogar sobre seus ombros: anjos, demônios e santos. E complementa, confesso: “A crônica sempre biografa”. Cuenca corrobora: “Ao passar do tempo, de tantas experiências e recortes cotidianos repassados ao jornal, os leitores lhe conhecem. E é uma relação de mão única porque o cronista desconhece quem são seus leitores”. E conclui: “Pelo formato, a crônica pode servir de formação de leitores”.