Cláudio Assis é tão polêmico quanto seus filmes. Os três longas que filmou – Amarelo Manga (2002), Baixio das Bestas (2007), e Febre do Rato (2011) – causaram espanto. Não só pela cinematografia diferenciada, mas pelo excesso de cenas de sexo e violência. Todos eles têm cenários de Recife e até sofreu preconceito de “locais” por mostrar um lado mais periférico da capital pernambucana. É que o cineasta é meio anarquista.
Em Natal a convite da produção do Cine Natal, Cláudio Assis passeou pelo camelódromo da Cidade Alta e conheceu a banca 7ª Arte, especializada em filmes raros, pirateados. Encontrou seus três longas por lá e achou o máximo. Até comprou um DVD intitulado ‘Literatura de Cordel’. Durante sua palestra, realizada no Sesc da Cidade Alta, já tinha firmado posição favorável à pirataria: “Quem compra meu DVD por três reais não tem dinheiro para pagar 50. Quero ser assistido. É o que importa”.
Entre um e outro gole de uísque, no Bar de Nélio, por trás do camelódromo da Cidade Alta, Cláudio Assis espinafrou a produção cinematográfica da Globo Filmes, a exemplo de ‘E aí… comeu?’; se orgulhou da disponibilidade de Luana Piovanni só se mostrar nua em seus filmes; e comentou ainda do próximo longa, chamado Big Jato, em que um motorista de caminhão pretende limpar a merda do mundo.
Você comprou um DVD intitulado Literatura de Cordel, agora a pouco no camelódromo. A temática lhe interessa por quê?
Estamos filmando uma promoção do Caju Sertão, que é um museu sobre Luiz Gonzaga. Foram convidados vários cineastas de Pernambuco para esse projeto. É uma ficção sobre cordel. Começa na Pedra do Ingá, na Paraíba. Amanhã, inclusive, tem uma grande festa de cineastas paraibanos e pernambucanos lá em Ponteiro, na PB.
Por que Pernambuco apresenta uma cena de audiovisual tão diferenciada e pulsante do resto do Brasil?
Primeiro porque somos todos amigos, crescemos juntos, somos da mesma geração; somos unidos. Mas ninguém quer imitar ninguém. Cada um faz seu cinema. Isso faz com que se produza um cinema diferente. O ‘Som ao Redor’, de Kleber Mendonça Filho conversa com ‘Baixio das Bestas’, mas são completamente diferentes. Há o diálogo, mas são olhares diferentes porque ninguém quer copiar o outro.
‘Febre do Rato’ também conversa com ‘Terra em Transe’ (Glauber Rocha, de 1967)?
Rapaz, sei não. Tem? Devolvo a pergunta.
Talvez o personagem anarquista…
Sempre quis ser anarquista, desde a juventude. O povo também fala que meu cinema é violento, porque fala disso e daquilo. Eu disse: “Ah, é? Pois vou colocar poesia. Quer ver como a violência é a mesma?”. E aí resolvemos fazer um filme sobre um poeta anarquista. Então é tudo poesia em ‘Febre do Rato’. Não é violento; é forte. Tem denúncia; tem uma coisa visceral.
Uma conjuntura formou, a partir da cena musical pernambucana, o Manguebeat. Você acredita no surgimento em um movimento também no cinema de lá?
Já tem. Mas não é cinema pernambucano. “Cinema pernambucano” rotula, segrega. E cinema não tem pátria; é cinema, simplesmente; é linguagem universal. A gente fala de pessoas, sentimento. Se você assiste, você entende normalmente o filme em qualquer canto do mundo. Não gosto desse conceito de “cinema pernambucano”. É cinema brasileiro, é cinema universal.
Apesar das muitas gírias…
É mesmo? (risos). Mas Cine Holliúdy (filme independente, filmado no Ceará) é pior. Mas achei massa esse filme.
Você criticou o filme ‘E aí… comeu?’…
’De pernas pro ar’, ‘E aí… comeu?’, ‘E se fosse você?’, são todos umas merdas. Tudo filme da Globo Filmes. Parece continuação da novela das oito. Tiram uma onda com o mercado e depois? Só acredito no cinema que pensa. Não for assim, não acredito.
Mesmo filmes de mero entretenimento precisam fazer pensar?
Rapaz, cada um faz o seu. Mas pelo menos não seja essas merdinhas de filmes “assepsiados”. Qual o problema em fazer filme com o Renato Aragão, com a Xuxa? Tudo bem. Agora, contribua para que essa criança não seja mongol, entendeu? É assim que é.
O que acha do cinema de Guel Arraes?
Qual o cinema de Guel Arraes? Ele é diretor de núcleo da Globo. Só. Parou. Ele fez o Auto da Compadecida, que é bom; é uma fórmula que ele arrumou, mas que não dá certo em tudo. Quis pisar na mesma tecla com o ‘Lisbela’ e o filme não aconteceu; dá cansaço de assistir. E agora ele virou diretor de núcleo da Globo. Não faz mais cinema. Dinheiro ele tem. E só completando: Guel viveu exilado na Europa e não é pernambucano, de viver a cultura pernambucana. Quando ele voltou do exílio foi direto para o Rio de Janeiro.
Por que ‘Febre do Rato’ foi filmado em preto e branco?
É uma fotografia muito melhor e ajuda a contar a história; é mais poético. Em 1993 fiz meu segundo curta, chamado Soneto do Desmantelo Blue, também em preto e branco, e falava também de poeta, que era o Carlos Pena Filho. Para ‘Febre do Rato’, o roteiro, o cenário, a produção foi tudo pensado para ser preto e branco.
Quais as inspirações para fazer seus filmes?
Vige, é tanto nome nesse mundo. Eu não inventei a roda. Tenho influências do cinema de Fellini, de Pasolini, de Kubrick. Mas é muito fácil citar esses nomes. Esses caras são fodões.
O excesso de sexo e de violência em sua obra cinematográfica é justificado pelo contexto do filme?
Não boto homem nem mulher nua para apelar ou chocar. Tem um contexto. O Baixio das Bestas, que dizem ser o mais forte, é uma denúncia, e tem lá a mulher nua. Qual o problema? Na vida não tem sexo não, é? O cinema brasileiro virou assepsiado. Cadê o sexo no cinema? É por que os filmes ficam imitando a novela das sete, das oito. Luana Piovanni nunca ficou nua em filme nenhum. Mas já disse que em filme meu ficaria, justo porque não tem apelação. Mas meus amigos são putos comigo porque não a convidei ainda (risos).
Próximos planos no cinema?
Vou filmar um curta agora chamado ‘Gigantes pela própria natureza’, só com anões. E o próximo filme é o Big Jato, uma adaptação do livro homônimo de Xico Sá. Não é exatamente uma autobiografia, mas sobre o que ele viu enquanto criança e adolescente. É o olhar dele até chegar em Recife, vindo do Vale do Cariri, no Ceará. Big Jato era o apelido de um caminhão destinado a esvaziar as fossas das casas sem encanamento, lá no Crato. O motorista quer limpar a merda do mundo. E esse caminhão faz parte da vida do garoto, que acompanha esse trabalho do pai, na lida com dejetos, enquanto também acompanha a transformação do mundo, conhece o pop, o amor, também muito influenciado pelo tio, que é completamente diferente do pai. Ele vive entre esses dois mundos: do pai e do tio.
O que há de autobiográfico em seus filmes?
É o que vejo da vida. Mas uma coisa é você ver e outra é você contar. A coisa é sempre mais vista quando você conta, porque há a fantasia, há outros elementos.
Elenco, início de filmagens e previsão de lançamento de Big Jato?
É basicamente o elenco que costuma gravar comigo, com poucas mudanças de equipe. O fotógrafo vai ser Lula Carvalho, filho de Walter Carvalho. Nachtergaele, Dira Paes, talvez. Pretendemos iniciar as filmagens em março e em novembro deverá estar pronto. Deve circular no circuito comercial em 2015, se eu não morrer daqui pra lá.