A multiculturalidade tomou conta da tenda principal na primeira noite do Festival Literário de Natal (FLIN), na quinta-feira (5), na praça Augusto Severo, na Ribeira. Passava pouco de 19h30, quando os poetas Antônio Cícero e Eucanaã Ferraz subiram ao palco para apresentar o recital “Ouvir o poema”, uma nova abordagem sobre a arte de dizer e ouvir versos. Os bardos se valeram de trilha sonora e projeção de imagens para apresentar o melhor da poesia brasileira e portuguesa.
Na primeira parte da intervenção, a dupla recitou poemas de vates que os influenciaram a gostar de poesia. Antônio Cícero disse que tomou gosto pelos versos ao ter contato com o poema indianista “I-Juca-Pirama”, de Gonçalves Dias. Recitou um trecho da obra. Por sua vez, Eucanaã Ferraz revelou que a sua principal influência é o poeta Augusto dos Anjos, autor do livro Eu e Outras poesias. Deste único livro publicado por Augusto dos Anjos, Eucanaã leu o poema “Psicologia de um vencido”.
Em seguida, os bardos leram poemas de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Vinícius de Morais e João Cabral de Melo Neto. Na terceira parte, um leu poemas do outro. Em seguida, recitaram seus próprios poemas. Encerrando a participação no FLIN, leram poemas dos vates portugueses Luís Vaz de Camões, Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade e Gastão Cruz.
Após o recital, o samba tomou conta da tenda com o cantor Debinha, a bateria da Escola de Samba Balanço do Morro, porta-bandeira, mestre-sala e passistas. A escola de samba apresentou o samba-enredo “Vou sambar de pé no chão, no Centenário de Djalma Maranhão”, de autoria do também compositor Debinha. O ex-prefeito de Natal Djalma Maranhão é o grande homenageado do Festival Literário de Natal 2015.
A segunda mesa da noite contou com a participação da historiadora e escritora Mary del Priore, tendo por mediadores o também historiador, Santiago Junior, e o jornalista Cassiano Arruda Câmara. O mote foi o livro Beija-me onde o sol não alcança, que trata de um triângulo amoroso entre um conde, uma rica herdeira e uma negra, filha de escravo alforriado, ocorrido no Século XIX, no Brasil.
A discussão da obra deu abertura para a abordagem de outras publicações da historiadora, como A carne e o sangue; A Imperatriz D. Leopoldina; D. Pedro I e Domitila, a Marquesa de Santos; Histórias íntimas, sexualidade e erotismo na história do Brasil; Do outro lado, A história do sobrenatural e do espiritismo; História do amor no Brasil e Matar para não morrer: A morte de Euclides da Cunha e a noite sem fim de Dilermando de Assis.
Provocada por Cassiano Arruda sobre o número cada vez mais frequente de jornalistas historiadores, a escritora assinalou que se o jornalista fizer bem o seu papel, só terá a contribuir contando histórias para o grande público. “Eu acho muito bem-vindo”. No decorrer da conversação, Mary del Priore citou o romance A carne e o sangue, que levanta o véu das duas mulheres de Dom Pedro I, Dona Leopoldina e a Marquesa de Santos, que, em sua opinião, podiam ser qualquer mulher brasileira de hoje. “Adorei fazer romance histórico”, resumiu.
Perguntada sobre o papel do historiador na atualidade, a escritora respondeu que “as condições do historiador estão muito complicadas”. Prosseguiu, afirmando que a publicação de livros está cada vez mais difícil no país: “O que acho é que o historiador precisa se reinventar. Nós temos a missão de lembrar. Eu aposto no historiador”.
O momento mais polêmico na mesa foi quando Mary del Priore, comentando o tema do ENEM sobre a violência contra a mulher, teceu comentários desairosos sobre a obra de Simone de Beauvoir, que chamou de colaboracionista de nazistas na França ocupada, como também o seu marido, o filósofo Jean-Paul Sartre. Na opinião da escritora, se o ENEM tivesse optado pela feminista potiguar Nísia Floresta, o tema teria tido maior representatividade por se tratar de uma brasileira. Ainda teceu elogios à obra de Câmara Cascudo, afiançando que nunca deixou de consultar o mestre em suas mais de 40 obras publicadas.
Após o debate com Mary del Priore, a Banda Sinfônica da Cidade de Natal e a cantora Cida Moreira deram o tom musical do FLIN, numa apresentação recheada de clássicos da Música Popular Brasileira, como “Construção”, de Chico Buarque.