Reportar o cotidiano de forma clara e, se possível, de forma literária, é sempre um desafio ao jornalismo. E para discutir o assunto, subiram à penúltima mesa do Festival Literário de Natal os jornalistas e escritores cariocas Mauro Ventura e Tom Cardoso, além do brasiliense radicado em Natal, Rafael Duarte, que funcionou como mediador de um bate-papo sobre livro reportagem enquanto gênero literário.
Mauro comentou da dificuldade de se escrever livro mergulhado na rotina desgastante da atividade jornalística. Precisou tirar licença de quatro meses do jornal e teve prejuízo com o livro, mesmo de boa repercussão. Rafael Duarte, autor de biografia sobre o cantor e compositor potiguar Carlos Alexandre, comentou das tantas versões para escrever o episodio da morte do artista. Tom Cardoso – autor da biografia sobre o idealizador de O Pasquim, Paulo de Tarso – provocou Caetano quanto à proibição das biografias já no início de sua fala: “Seria interessante ele aqui pra gente discutir”.
Rafael Duarte provocou os autores acerca do processo de elaboração dos livros reportagens. Mauro Ventura apontou a liberdade dada na confecção de livros como grande diferencial do exercício diário da escrita das matérias jornalísticas e, claro, o tratamento literário mais estilístico. E defendeu: “O jornalismo, hoje precisa ser mais autoral para se reinventar”.
Tom Cardoso reforçou a que se estivesse em jornal nunca conseguiria o espaço necessário para dimensionar a importância de Paulo de Tarso, se não na biografia. Ventura comentou também que conseguiu humanizar a tragédia de um incêndio em um circo que vitimou 500 pessoas – tema do livro O Espetáculo Mais Triste da Terra – o que também seria impossível em uma página de jornal, até pelo número necessário de personagens.
A repercussão das duas mídias também foi levantada. “Os jornais têm alcance melhor. Mas por outro lado é mais perene”, pontuou Tom Cardoso. Ventura lembrou a resposta dos sobreviventes e médicos, agradecidos por resgatar uma história trágica e até então esquecida.
A polêmica da biografia também foi provocada por Rafael Duarte. Tom Cardoso disse ter estado com o crítico musical Nelson Motta, autor da biografia de Tim Maia. “Ele disse que o biógrafo deve partir do bom senso: evitar fofocas, mas informar o que for relevante enquanto informação”. Ventura disse ter livros embargados á espera de autorização. “Isso afeta o jornalismo. É uma coisa muito maior. Há dissertações e todo um arcabouço de pesquisa passível de proibição. No Brasil há uma indústria do dano moral muito forte, também”, lamentou.
Tom Cardoso está com biografia não autorizada embargada por alguns dos filhos sobre o jogador Sócrates. O processo está no Supremo Tribunal Federal. “As editoras esperam a definição desse impasse sobre as biografias para publicar”. Foram quase 100 entrevistas durante mais de quatro anos. Mauro Ventura disse que irá se incluir mais na história do novo livro, também de não-ficção e que preferiu não adiantar o tema. Tom Cardoso complementa ainda da costumeira proximidade dos biógrafos com os biografados.
Se tem saudade da redação? Tom Cardoso comentou: “Faz 20 anos que fugi da redação e não tenho a mínima saudade”. E Ventura concluiu: “Não sinto nem um pouco de saudade daquele massacre diário”.