Quatro imortais dividiram o mesmo palco na segunda mesa da noite desta sexta-feira, durante o Festival Literário de Natal. Três deles, ocupantes da Academia Brasileira de Letras: Arnaldo Niskier, Marco Lucchesi e um dos três únicos potiguares imortais da ABL, o jornalista Murilo Mello Filho, além do presidente da Academia Norte-rio-grandense de Letras, o poeta Diógenes da Cunha Lima.

O tema "Literatura e liberdade: o porto seguro", foi discutido inicialmente pelo escritor e professor Arnaldo Niskier – substituto, na ABL, do também potiguar Peregrino Júnior –, que externou a preocupação da ABL sobre a língua portuguesa. “A lusofonia já merece lugar na Organização das Nações Unidas como língua oficial”. E culpou “gente desavisada” com influência junto ao Senado Federal por embargar a discussão do tema.

Niskier enalteceu o trabalho jornalístico e também o caráter de Murilo Mello Filho. E lembrou o tempo em que trabalharam juntos na então prestigiada Revista Manchete, onde o potiguar mantinha a coluna mais lida da publicação. “Que tenhamos mais jornalistas como ele em nosso país. Que ele sirva de exemplo para todos e receba todas as homenagens do povo potiguar”, disse.

Sem se esquivar do tema, Niskier opinou ainda sobre a tentativa de proibição na publicação de biografias. “Sei que o Caetano Veloso vem aqui. E acho que ele adotou posição complicada para defesa, pois contraria o artigo 5 da Constituição. Esse artigo fala claramente da liberdade da expressão, que é dos artigos mais caros, expressivos e emblemáticos da Constituição de 1988. Criar restrições a isso é um absurdo completo”, disse, e recebeu aplausos.

O escritor Marco Lucchesi fugiu do tema e abordou a descaracterização das cidades e recebeu aplausos. “Em terra de Cascudo isso não pode acontecer”. Lucchesi exemplificou na figura de um bibliotecário de Dom Pedro, Inácio Augusto, um personagem nunca ouvido e responsável por manter a herança da biblioteca mesmo na passagem do Império à República. E quando isso ficou impossível, deu cabo da própria vida.

Para Lucchesi, se os projetos culturais não valorizarem as grandes tradições da terra, o Brasil perderá o diálogo junto ao mundo para o conserto das civilizações. E propõe um exercício de vislumbre: “Penso no que Cascudo poderia abordar em sua etnografia hoje em dia. Penso no que Deífilo Gurgel arrancaria do sertão de hoje”, e recebeu aplausos ao citar o nome do folclorista.

Homenageado pelos dois primeiros palestrantes, e para uma plateia cheia, Murilo Mello Filho iniciou seu discurso enaltecendo Juscelino Kubitschek, a quem acompanhou por anos durante a construção de Brasília. E este episódio foi destrinchado pelo potiguar sob fatos curiosos, recortes inéditos do dia-a-dia da futura capital brasileira, e minúcias de quem viu e ouviu cada capítulo dessa história e conviveu intimamente, enquanto jornalista, com o presidente, até sua morte.

Diógenes da Cunha Lima citou a importância da liberdade na literatura como construção coletiva do povo. E exemplificou a vocação libertária de Natal ao longo da história: com o pioneirismo feminista de Nísia Floresta, a presença marcante da mulher potiguar na história do país, com a primeira mulher a votar, a primeira prefeita e a primeira deputada federal. E ainda a instalação de um governo comunista na cidade, em 1935, e a recente onda de protestos espalhada pelo país e iniciada em Natal.

A mesa foi encerrada com a entrega da Comenda Felipe Camarão – a mais prestigiada comenda da cidade – a Murilo Mello Filho, entregue pelo prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves. O prefeito lembrou o brilhantismo do jornalismo da época em que Murilo exercitou sua atividade no Rio de Janeiro. A convivência com Gustavo Capanema, Vieira de Melo, Carlos Lacerda, Luis Carlos prestes, Afonso Arino de Melo Franco, Otavio Mangabeira, e outros.

“A geração de jornalistas mais preparada moral e culturalmente foi aquela. E você ultrapassou os limites de Natal e do Brasil no seu exercício jornalístico. Você chegou junto a Kennedy, a Fidel Castro, a De Gaule, a Richard Nixon. Aquele menino saído de Natal que hoje é único filho potiguar na ABL. Você será sempre uma inspiração, um orgulho para nós, Murilo. O menino de Natal venceu, pessoal!”, concluiu o prefeito.